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Dupla maternidade ou paternidade: como obter reconhecimento

Saiba os seus direitos e o que fazer.

RESUMO

Dupla maternidade ou paternidade: uma realidade com a qual a sociedade e o Poder Judiciário devem lidar, sempre com ternura e acolhimento.

Atualmente, é inegável que há situações em que a realidade da vida se impõe. Uma delas é quanto à configuração familiar.

Seja no caso de casais homoafetivos, seja na hipótese de órfãos ou filhos de casais divorciados, há hipóteses em que os laços afetivos, ou até mesmo biológicos, se tornam fortes o suficiente para que a configuração “tradicional” de família não seja mais suficiente.

Assim, surge a dupla maternidade ou paternidade, que melhor pode acolher, reconhecer e garantir direitos a essas famílias.

1. Dupla maternidade ou paternidade: o que é

Em suma: a dupla maternidade ou paternidade é o reconhecimento no registro civil, bem como em todos os documentos oficiais, de dois pais ou duas mães, de uma mesma pessoa.

Assim, pode ser aplicável no caso de casais homoafetivos, nas hipóteses de adoção, inseminação artificial ou inseminação caseira, ou até mesmo de filhos fruto de uniões anteriores.

Além das uniões homoafetivas, por exemplo, há muitos casos de famílias heteroafetivas que, por alguma eventualidade, são compostas por dois pais e uma mãe, ou por duas mães e um pai.

Podem ser os casos em que um dos genitores falece e a criança é criada pela madrasta ou padrasto.

Além desta hipótese, também há os casos de abandono afetivo da criança, em que a figura do pai ou mãe é exercida pelo padrasto ou madrasta.

Ou, ainda, na hipótese em que não há um abandono do pai ou mãe biológicos, mas há tal identificação e afeto com o padrasto ou madrasta, que é desejo da família que tanto os genitores biológicos quanto os afetivos constem na filiação daquela pessoa.

Aqui, mais do que nunca, são os laços de afeto que importam.

2. Legislação e decisões judiciais

Essa nova configuração de família e de filiação é um tremendo avanço com relação à família literalmente definida na Constituição de 1988 em seu artigo 226, bem como no Código Civil de 2002, eis que o texto literal pode dar a entender que família é apenas aquela constituída por um casal heterossexual formado por um homem e uma mulher.

Entretanto, o STF já reconheceu a “inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, aplicando-se à união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesmas consequências da união estável heteroafetiva (ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.2011).

Atualmente, os registros exigem o nome de uma mãe em cadastros de direitos e benefícios sociais, excluindo assim o nome de uma das mães do casal ou obrigando um dos pais a assinar como mãe.

Neste sentido, buscando atualizar nossa legislação sobre o assunto, a dep. federal Maria do Rosário (PT-RS) apresentou em 08/12/2020 o Projeto de Lei nº. 5423/2020, que acrescenta “o Art. 60-A a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos, para garantir o registro de dupla maternidade ou paternidade aos casais homoafetivos que tiverem filhos e dá outras providências”.

Além disto, em ação civil pública proposta pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES), que tramita no Supremo Tribunal Federal, já há parecer favorável do Ministério Público Federal no sentido de que o governo federal deve ser obrigado a permitir o registro de dupla maternidade ou paternidade em documentos pessoais.

Mas não é só: o mesmo senador é o autor do Projeto de Lei n° 2356, de 2022, que altera “a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, a Lei nº 7.116, de 29 de agosto de 1983, e a Lei nº 14.129, de 29 de março de 2021, para garantir o registro de dupla maternidade ou paternidade”.

Para Contarato, isso pode infringir o tipo de relacionamento parental que existe com os filhos, afetando também famílias monoparentais masculinas. “Essa situação não pode continuar. Todas as formas de constituição de família encontradas na sociedade são dignas de proteção do Estado.”

2.1. Consequências do reconhecimento da dupla maternidade ou paternidade

No RE 898.060/SC, questionava-se o reconhecimento da dupla paternidade no registro civil e se, em caso de paternidade socioafetiva, se existe a prevalência de tal, em virtude da paternidade biológica.

Como diz o relator do caso, o Ministro Luiz Fux: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais”. (Supremo Tribunal Federal, RE 898.060/SC, Rel. Min. Luiz Fux. Julgado em 22.9.16.)

Com essa decisão do STF, é imposto a ambos os pais (ou mães) as mesmas obrigações, ou seja, é dever dos dois pais que seja dada aos filhos tudo que for necessário ao seu sustento básico para se desenvolver como ser humano, sempre visando a proteção e ao interesse da criança, que prevalece sobre qualquer interesse alheio.

3. Como obter o reconhecimento da dupla maternidade ou paternidade

3.1. De forma extrajudicial

Conforme o Provimento n° 63/2017 feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o reconhecimento de dupla maternidade ou paternidade de filhos maiores de doze anos de idade pode ser feita por meio extrajudicial em cartório.

Ainda, no caso reprodução assistida realizada em clínicas, seja fruto de relação heterossexual, seja de relação homoafetiva, também será cabível o registro do bebê contendo o nome do casal de forma extrajudicial.

É importante reforçar que há uma série de requisitos, inclusive documentais e probatórios, para que o reconhecimento seja feito de forma extrajudicial. 

Caso o oficial registrador ou o Ministério Público rejeitem o pedido, será necessário o ingresso de ação judicial. Justamente por essa hipótese, é aconselhável que um advogado de sua confiança acompanhe o procedimento desde o começo.

3.2. Com o ingresso de ação judicial

Já no caso de inseminação caseira, no caso de reconhecimento de dupla maternidade ou paternidade de filhos menores de doze anos de idade ou, ainda, no caso de multiparentalidade (ou seja, caso haja mais de dois pais ou mais de duas mães), será necessário levar o caso ao Poder Judiciário a fim de garantir este direito.

4. Conclusão

Em suma, a dupla maternidade ou paternidade é uma realidade em nossa sociedade e merece respeito e tutela.

No entanto, no momento, para que haja o seu reconhecimento, pode ser necessário o ingresso de ação judicial, visando obter este reconhecimento.

Pode também ser necessária a consulta e assessoria especializada de um profissional do direito para orientações no caso de reconhecimento extrajudicial, principalmente para evitar a recusa dos cartórios de registro civil.

Se este for o caso de sua família, consulte um advogado especializado em direito civil de confiança. Este profissional poderá oferecer orientações especificas para o seu caso e lhes auxiliar na garantia deste direito.

Por hoje é isso. Até a próxima!

Marina Affonso Silva - Affonso e Lima Advogados - Somos especialistas em Direito Digital e auxiliamos Influencers, Youtubers e outras pessoas e empresas em todas as suas necessidades jurídicas.
Marina Affonso Silva

Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais (UFRJ). Agraciada pelo Reitor da UFRJ com a dignidade acadêmica no grau Cum Laude. Pós-Graduada e Especialista em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD), curso coordenado pelo Prof. Dr. Luiz Antonio Scavone Junior. Eleita a 7ª advogada mais digital do Brasil em 2019 pela ADVBOX. Successful Negotiation: Essential Strategies and Skills (University of Michigan). Planejamento Sucessório (PUC-RIO). Idiomas: português e inglês.

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